Morto (Terceira Parte da História do Escritor)

A primeira parte da História do Escritor você encontra aqui e a segunda parte aqui

MORTO

É, rolou este lance de luz. Infelizmente não rolou o calor.

De verdade, eu senti cada machucado. Senti o meu corpo inteiro e ainda senti o chute que eu levei. Não sei que merda aconteceu, mas eu estava jogado na sarjeta e um malito qualquer me chutava. Eu adoraria revidar, mas infelizmente não tinha forças para isso.

– Acorda aí, o Cachorro.

– Me deixa em PAZ!

– Acorda, Porra! Você não pode ficar a eternidade aí.

– Eu morri?

– Rapaz, olha em volta. Você não tá no lugar onde você caiu. Me diz o que você acha.

-É, eu morri.

Veio assim esta percepção. Eu morri. Acabou tudo, eu estava já do outro lado e não era nada do que eu esperava.

Levantei-me a duras penas e olhei em volta. Estava em uma rua escura, fria. As únicas luzes visíveis era a de um poste e a do letreiro de um bar. O Cara que me chutou estava caminhando naquela direção. Sem opções segui para lá também.

Olha, era um bar muito vagabundo. Quando era mais novo chamávamos estes locais de pé de cachorro, muquifo, pulgueiro. Sentei no balcão ao lado do Sujeito e o garçom logo me deu um copo sujo para me servir da cerveja que já estava suando sobre a mesa. Enchi até o talo. Brindei com o sujeito e um pouco caiu no chão. Supersticioso logo disse:

– Este gole é pro santo!

– Largue destas baboseiras, aqui não tem santo nenhum.

É, o sujeito era uma ótima companhia.

O Silencio durou um bom tempo. O suficiente para que acabássemos a cerveja e outra fosse servida. Tomei coragem e pedi uma dose. Não lembro bem do que, mas parecia que tinham enchido o copo com soda caustica. Queimou bastante.

– Que burrada você fez lá, Rapaz. Eu já fiz muita merda nesta vida, mas nada comparado ao que você fez.

– Eu sei que fiz burrada – era verdade – mas não precisa chafurdar na minha cova.

– Rapaz, eu nem comecei. Pode preparar o lombo porque o chumbo vai ser grosso.

OK, vocês devem ter percebido que não fui para o céu. Na verdade eu me sentia a cada momento mais no inferno.

– Olha, não sei que diabos você veio fazer aqui. Fiz coisas suficientes na vida para merecer um lugar só meu e eles enviam um fedelho qualquer para cá. E ainda me dizem que você precisa de um bom papo. Bom papo o Caralho, você já tá ferrado e não precisa de mais esculacho.

– Você acha que eu pedi por isso? Você acha que eu capotei aquele carro porque eu quis? Que este era meu desejo: Acabar com minha vida e com as mulheres da minha vida?

– Eu sei que não, mas mesmo assim você vai pagar por isso.

Não sei quanto tempo ficamos ali. Sei que cada vez mais chegavam bebidas e eu ia sorvendo aquilo como se fosse a razão do meu viver. Ao invés de me anestesiar, aquelas bebidas só faziam aumentar minha dor. Aquele sujeito só ia contando suas histórias e a cada duas frases me xingava por algo. Minha vida inteira foi julgada naquele tempo que fiquei ali. Mesmo meus menores erros voltaram para me assombrar. Cada segundo foi de tortura e confusão, justamente por não saber para que servia aquilo.

Senti um alivio enorme quando o dono do bar disse que iria fechar.  Mas mesmo este momento veio acompanhado de uma reclamação do outro:

– Há anos eu estou aqui e nunca fecharam este bar. Você é maldito, rapaz. Você leva desgraça onde você for.

Engoli mais esta dose de sabedoria.

Chegando lá fora eu não sabia o que fazer. Olhava em volta e não havia para onde ir. Eu estava começado a ficar angustiado com aquilo. Nenhum lugar de proteção, nenhum lugar para me esconder. Havia só o poste e o sujeito.

Eu me sentia perdido, eu estava em completa desgraça. Eu era um miserável, um nada e ainda teria que ficar para sempre em lugar nenhum. Era isso. Caí no chão e comecei a chorar. Um choro forte, digno de pena. Um choro para extravasar toda a tristeza do mundo que eu carregava sobre os meus ombros.

O sujeito logo começou a reclamar:

-Era só o que me faltava. Como se não bastasse ser um miserável, ele ainda é um frouxo digno de pena.

Dizendo isso ele já foi logo me pegando e colocando de pé e dizendo:

– Olha eu sei do que você precisa: Uma boa luta. Mas não vai ser nada afrescalhado igual vocês fazem hoje. Vamos fazer como no meu tempo, vamos fazer uma boa luta de boxe.

Era só o que me faltava. Eu ali precisando ser consolado e aquele velho querendo brigar comigo. Ele já estava em posição de defesa, gingando de um lado para o outro e eu sem conseguir acreditar naquela situação. Até que veio o primeiro soco.

O Maldito tinha uma força tremenda. Mesmo diante dos meus protestos ele continuava me batendo. Tentei mais de uma vez revidar, mas ele sempre escapava e me acertava mais forte. Fui sentindo meu rosto inchando, meu olho mal abria e eu ali me perguntando porque aquilo tudo estava acontecendo, mas ao mesmo tempo eu sentia que eu merecia tudo aquilo por conta das merdas que eu tinha feito. Eu estava no inferno apanhando de um velho.

EU já não me aguentava em pé direito, tudo estava girando. Eu sentia minhas pernas enfraquecendo, logo eu iria desmaiar.

O Sujeito veio até mim novamente sorrindo disse:

– Você não deu nem para o cheiro, seu merdinha. Mas de uma coisa você pode ser orgulhar: A décadas ninguém havia levado uma sova do Magnífico Senhor Charles Bukowsky!

E me acertou com um gancho que me derrubou de vez. Eu sentia meu corpo caindo e caindo. Caindo cada vez mais, mas o chão parecia nunca chegar…

(Fim da Terceira Parte)

Jardel “Bandido” Maximiliano

Pistoleiro da Madrugada

Canalha sentimental de coração vadio

Um pensamento sobre “Morto (Terceira Parte da História do Escritor)

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